14 junho, 2011

O rio e o mar .




O rio e o mar .

Diz-se que, mesmo antes de um rio cair no oceano ele treme de medo.
Olha para trás, para toda a jornada, os cumes, as montanhas, o longo caminho sinuoso através das florestas, através dos povoados,
e vê à sua frente um oceano tão vasto que entrar nele nada mais é do que desaparecer para sempre.
 Mas não há outra maneira. O rio não pode voltar. 
Ninguém pode voltar.
Voltar é impossível na existência.
Você pode apenas ir em frente.
O rio precisa se arriscar e entrar no oceano.
E somente quando ele entra no oceano é que o medo desaparece.
Porque, apenas então, o rio saberá que não se trata de desaparecer no oceano.
Mas tornar-se oceano, por um lado é desaparecimento e por outro lado é renascimento.
Image : Itajai River and Sea by Rodrigo Melo

Envelhecer !



Envelhecer
 
Uma pessoa envelhece lentamente: primeiro envelhece o seu gosto pela vida e pelas pessoas, sabes, pouco a pouco torna-se tudo tão real, conhece o sginificado das coisas, tudo se repete tão terrível e fastidiosamente.

Isso também é velhice. Quando já sabe que um corpo não é mais que um corpo. E um homem, coitado, não é mais que um homem, um ser mortal, faça o que fizer... Depois envelhece o seu corpo; nem tudo ao mesmo tempo, não, primeiro envelhecem os olhos, ou as pernas, o estômago, ou o coração.

Uma pessoa envelhece assim, por partes. A seguir, de repente, começa a envelhecer a alma: porque por mais enfraquecido e decrépito que seja o corpo, a alma ainda está repleta de desejos e de recordações, busca e deleita-se, deseja o prazer.

E quando acaba esse desejo de prazer, nada mais resta que as recordações, ou a vaidade; e então é que se envelhece de verdade, fatal e definitivamente.

Um dia acordas e esfregas os olhos: já não sabes porque acordaste. O que o dia te traz, conheces tu com exactidão: a Primavera ou o Inverno, os cenários habituais, o tempo, a ordem da vida.

 Não pode acontecer nada de inesperado: não te surpreeende nem o imprevisto, nem o invulgar ou o horrível, porque conheces todas as probabilidades, tens tudo calculado, já não esperas nada, nem o bem, nem o mal...
e isso é precisamente a velhice.


Text :Sándor Márai, in 'As Velas Ardem Até ao Fim