De quantas almas
meu espírito é feito?
Não sei quantas almas tive, mas por certo muitas foram, e me
deixaram a herança do que sou.
Às vezes sinto que já fui o que
não sou, que desejei e já passou, que estive em lugares que nunca vi e vejo
pessoas, em minha mente e sonhos, das quais nada sei.
As células, proteínas, reações químicas e hormônios do meu corpo
pensam, têm consciência?
São capazes de saudades, de projetar amanhãs, de fazer sentir o que
sou? Qual proteína é capaz de esconder o que não quero, que sabe o que é
sentir solidão, emoção, inquietação ?
Que faz sentir o desespero da ausência, o cansaço da espera, a
beleza que me rodeia?
Que reação química desenhou quem escolhi para amar, que gene me faz
mudar de ideia instantaneamente e ver o que só eu vejo e permite sentir os
caminhos, perceber minha passagem com tudo que penso, digo e faço?
Como explicar o eu que me viu nascer e verá meu corpo sucumbir.
Este eu , sem colorido
biológico, que tem no olhar a esperança, que sente o que está distante e brilha
de emoção na presença, que restará aonde eu for e dará adeus quando na terra o
corpo fará sua entrega.
Aonde irá meu presente e meu passado ?
Afinal, tanta coisa sentida
é conteúdo do que? É possível dizer: aqui jaz minha alegria, aqui jaz o amor
que dediquei, a bondade que espalhei, o socorro que negligenciei, a atenção que
não dei, o disfarce dos meus enganos, a plenitude dos meus anos, a beleza dos
meus favores?
Onde ficarão as canções, as
emoções, os sentimentos, os perfumes e ardumes, no corpo que soçobrou?
Por fim, surpreso
comigo, que continuo vivo, buscarei desvendar todas as heranças
incorporadas do que já fui e que construiu meu tesouro espiritual, só percebido
e entendido em nova aurora elevada que um dia será contada.
Text : Dr. Luiz Alberto Silveira
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